Neste artigo fomos à Bola com o Preparador Físico do SC Farense, equipa que militou na Liga Zon Sagres em 2020/2021. Com um percurso muito peculiar, o nosso convidado de hoje, o Professor José Ribeiro, tem uma ligação muito forte ao clube da sua Terra, o F.C. Infesta. Atuou como futebolista por este emblema até aos 25 anos, altura em que se retirou
dos relvados para se dedicar ao treino. No Infesta permaneceu por 10 temporadas, passando por várias funções na equipa técnica, desde analista até treinador principal, sempre conciliando com a sua profissão: professor. Após uma passagem como treinador principal no SC Esmoriz na principal divisão de Aveiro, assumiu a função de treinador adjunto no FC Famalicão, na temporada 18/19. Nas duas últimas épocas trabalhou na equipa técnica do SC Farense, emblema histórico do nosso futebol, como treinador adjunto/preparador físico.

Olá, Prof. José Ribeiro. Quero, em primeiro lugar, agradecer a disponibilidade e simpatia por ter aceitado o convite para este artigo do “À Bola com o Joca”. É sempre um prazer ter um profissional do seu nível a falar e mostrar a sua perspetiva, muito mais factual, ao nosso caro leitor.

P: Começando pelo início… pode dar-nos uma ideia de como o futebol apareceu na sua vida?
Antes de responder a esta primeira pergunta, queria agradecer-te pelo convite e dar-te os parabéns pela coragem de iniciares este projeto e falares sobre futebol, expondo não só as tuas ideias, mas também as ideias das pessoas que entrevistas. Um bem-haja por isso.
Em Portugal o desporto mais praticado e o mais amado é sem dúvida o futebol. Como qualquer criança que nasceu nos anos 70, a bola era praticamente o único brinquedo disponível. Por isso foi com total naturalidade que o futebol entrou na minha vida, como na vida da grande maioria das crianças daquela altura. Lembro-me que os primeiros jogos que fiz foram na rua com os amigos e na escola primária. Depois o bichinho foi crescendo, porque a casa onde vivia, ficava mesmo ao lado do campo do FC Infesta e o meu pai levava-me sempre a ver os jogos.

P: O que significa para si o F.C. Infesta?
Como disse anteriormente eu cresci quase dentro do campo do Infesta. Lembro-me de passar lá muitas tardes a jogar futebol com os meus amigos, mesmo antes de ser atleta. Depois, com 9 anos, entrei para a formação do clube, para jogar nos infantis, numa altura que me fiz sócio. Neste momento sou sócio do Infesta há mais de 35 anos. Foi lá que passei muito do meu tempo de adolescente, de jovem e de adulto, o FC Infesta faz parte da minha de vida e faz parte de mim.


P: Enquanto jogador, qual era o seu estilo de jogo?
Eu como jogador tive que me destacar essencialmente pelas minhas características técnicas, já que possuía uma boa capacidade de passe. Do ponto de vista físico, fui sempre muito franzino e a capacidade física que se destacava era a velocidade. Do ponto de vista tático julgo que possuía capacidades acima da média dos meus colegas, o que fez com que
os meus treinadores ao longo da minha formação me fossem colocando a jogar em várias posições. Era o que, vulgo se chama de um polivalente.

Aliando todas estas características, o meu estilo de jogo preferido era sem dúvida o jogo em velocidade, mas jogado de pé para pé. Julgo que foram essas qualidades que me fizeram alcançar o meu grande objetivo como jogador que era alinhar pela equipa sénior do Infesta.
O treinador na altura era o Augusto Mata, que era um treinador com uma filosofia de jogo muito ofensiva e que gostava de um jogo a alta velocidade de execução e de pensamento.

P: Como se dá esta passagem do relvado para os bancos? E porquê?


Foi de uma forma até muito natural. No meu último ano do curso de Educação Física e Desporto, surgiu o convite de um colega de equipa, que iria treinar os sub-19 na época seguinte. Na altura os sub-19 do Infesta disputavam o campeonato de 1ª divisão. A amizade que me ligava ao Rui Lowden, o facto de ter conseguido o meu objetivo enquanto jogador, algumas lesões que tinha tido nos últimos 2 anos, fizeram com que a minha escolha tivesse sido muito fácil de fazer.


P: Como surgiu a oportunidade de trabalhar com a equipa sénior do Infesta?
Foi o reconhecimento do trabalho que foi desenvolvido nos sub-19 e porque no fim desse primeiro ano, o preparador físico da equipa sénior abandonou o clube e o presidente fez-me o convite. Na época seguinte, dava aulas, estava com a equipa sénior de tarde e com os sub-19 à noite. Julgo que o facto de conhecer o treinador, o senhor Augusto Mata, o seu
adjunto o senhor Manuel António, fez com que as pessoas confiassem no meu trabalho e que as coisas tivessem sido facilitadas nesse sentido.

P: Quais as maiores dificuldades de preparar uma equipa em níveis que não as Ligas profissionais?


Eu divido a preparação de uma equipa de futebol em duas fases muito importantes. A primeira parte tem a ver com o recrutamento. A este nível julgo que em equipas amadoras as coisas são bem mais simples, pelo menos foram no meu caso. Não tivemos que lidar com empresários a tentar “vender” os seus jogadores, sabíamos e tínhamos os “alvos”
muito bem definidos, o campo de recrutamento como é mais pequeno facilita e muito a prospeção e o recrutamento em si mesmo.

P: O projeto com o Infesta foi duradouro. O que retira desta enorme caminhada?

Foram cerca de 8 anos como treinador adjunto e 3 como treinador principal. Ao todo foram 12 anos ligados ao treino, à análise e à liderança de processos de treino e de jogadores que como todos devem calcular dão, numa primeira fase da carreira uma grande bagagem, relativamente ao que são todas as dinâmicas que envolvem o trabalho de um treinador.
O que fica de mais significativo foram as imensas aprendizagens a que fui sujeito. Foram anos em que as condições de trabalho nem sempre são as melhores e tu muitas vezes tens que fazer muito com pouco. E quando um treinador está sujeito a este nível de dificuldades
acaba por ganhar um fator muito importante que é a resiliência. A vida de um treinador é muito difícil e passa muitas vezes por cair e saber levantar-se. São os mais resilientes, aqueles que nunca desistem que acabam por triunfar.

P: Acaba por atingir o sucesso no Infesta. Porquê a saída?


Porque estava muito confortável no Infesta e senti que para melhorar como treinador teria obrigatoriamente de sair da minha zona de conforto e conhecer outras realidades. Se não tivesse saído na altura, provavelmente ainda lá estava e não teria as experiências que tive e
que me levaram ao futebol profissional.

P: Após uma época como treinador principal no SC Esmoriz, começa a trabalhar como treinador adjunto. Pode explicar quais são para si as diferenças de exigência entre estas funções?


Eu na minha vida de treinador fui maioritariamente adjunto. Ser adjunto é algo muito difícil e precisas de ter determinadas características para seres um bom adjunto. Tens que ser incomodo para o treinador sem ser inconveniente. Tens muitas vezes que retirar o treinador
da zona de conforto das suas próprias ideias, para que ele consiga muitas vezes ver além daquilo que está na frente dele. O trabalho de treinador ao nível mais elevado não acaba no simples facto de treinar a equipa. O treinador principal tem uma serie de tarefas para cumprir que preenchem muito do seu tempo. Os adjuntos por vezes vêm as coisas de uma forma diferente, por vezes até mais claras do que o treinador principal, porque a nossa pressão é muito diferente da pressão do treinador principal. As grandes diferenças consistem na exposição publica e na exposição que o treinador tem com os atletas, porque as decisões são sempre em última instância do treinador principal.
Outra das diferenças têm a ver com as solicitações diárias dos diferentes departamentos do clube e da imprensa.

Relativamente ao trabalho diário de preparação dos treinos e dos jogos não vejo muitas diferenças porque o trabalho é conjunto, e todos participam.


P: Chega o desafio Famalicão… o que nos pode confidenciar acerca do grupo e do seu trabalho numa época que culminou com a subida à I Liga?


Tínhamos um grupo de jogadores que do ponto de vista humano era excelente o que ajudou e muito à liderança do treinador. Depois nos momentos difíceis a equipa manteve-se sempre unida por causa desses valores que foram sendo cultivados durante a época, pela própria equipa técnica e pela estrutura do clube. Basicamente o meu trabalho consistia na planificação de todas atividades da equipa, principalmente a planificação anual, semanal e diária da equipa profissional. Planeava com
o treinador principal as sessões diárias de treino que depois eram discutidas e aprimoradas com os restantes elementos da equipa técnica. Também participava nas sessões de análise dos nossos jogos, bem como nas sessões de analises dos adversários. Outra das minhas funções era fazer a ligação entre o treinador principal e os departamentos médicos, de análise e de performance.


P: Quais foram os principais desafios deste projeto?


Quando chegámos ao Famalicão, parte da SAD tinha acabado de ser vendida. O clube em si tinha ainda poucas condições de trabalho. Não tínhamos campo de treinos relvado, a relva do estádio principal não estava nas melhores condições, não tínhamos um ginásio bem apetrechado e os departamentos de análise, médico, nutrição e de comunicação acabaram por sofrer, numa fase inicial, grandes transformações de recursos humanos. Todas estas questões acabaram por dificultar o nosso trabalho inicial, no entanto a médio
prazo acabamos por beneficiar das mudanças que se foram implementando e das melhorias nas infraestruturas do clube.

P: Após a experiência a Norte, integra nos sulistas do SC Farense ainda na II Liga. O que sentiu ao ingressar num clube com esta dimensão histórica?


Em termos pessoais e familiares foi uma mudança muito grande o que emocionalmente teve as suas dificuldades.
Se falarmos apenas do lado profissional, quando chegamos a Faro, o SC Farense era apenas um clube com uma grande dimensão histórica, mas apenas isso. Relativamente à sua organização e condições de trabalho estava, na altura, muito longe de igualar essa dimensão histórica. O clube, tal como muitos em Portugal, não teve a capacidade, ou oportunidade de se modernizar na altura certa. No caso do Farense a altura certa teria sido quando frequentava a primeira divisão. Sabemos que o tombo foi muito grande e o clube teve inclusivamente para acabar. Sorte do SC Farense que apareceu na sua história um Presidente, João Rodrigues que mudou a história e o rumo do clube na direção dessa
dimensão histórica que falaste. Quando chegámos, o mister Sérgio Vieira e a sua equipa técnica, tinham bem noção do que seria necessário para elevar os patamares do clube, e aqui foi importante o Presidente João Rodrigues que disponibilizou, dentro das possibilidades quase todas as nossas ideias para melhorar o clube. Dou apenas alguns exemplos simples: a equipa não disponha de um ginásio para fazer as suas sessões de pré-treino, de pós-treino e de sessões de força, no ano anterior os jogadores tomavam o pequeno almoço em casa, foi disponibilizado um autocarro de boa qualidade para fazer as viagens para Lisboa e para o Norte do país. E como todos sabem a academia do clube já é uma realidade o que vai ajudar em muito a equipa profissional, a equipa de Sub-23 e os escalões de formação do clube. Falando agora um pouco do sentimento em si, a alegria foi muito grande porque no meu
imaginário ainda estava o Farense do Paco Forte, Hassan, do Peter Rufai, Hajry, Miguel Serôdio e muitos outros. Foram jogadores que vi jogar quando era jovem e que me fizeram gostar do Farense e da sua história.
Para finalizar, dizer que aqueles que apoiam o Farense são apenas Farenses, não têm na maioria dos casos um 2º clube, o que transmite a todos os que trabalham no clube uma maior responsabilidade, porque sabemos que este é o grande clube pelo qual eles sofrem todos os fins de semana.


P: A II Liga e I Liga devem ter, obviamente, as suas diferenças. Quais são as mais relevantes na sua ótica?


Qualidade dos jogadores, qualidade dos relvados, orçamentos maiores que te permitem ter melhores condições de trabalho e recrutar mais profissionais para ajudar no dia a dia da equipa e no dia a dia do clube.

P: Como preparador físico, quais os fatores que considera determinantes para o sucesso individual e coletivo?

Para nós como equipa técnica o mais importante para o sucesso individual e coletivo da equipa, são as nossas ideias de jogo e que os jogadores as aceitem. Sem essa premissa julgo muito difícil ter sucesso no futebol. Sem uma transmissão correta das ideias, sem capacidade para as passar, quer seja em treino, quer seja em reuniões individuais ou
coletivas, o sucesso estará sempre mais longe. Depois tem a ver com a capacidade do treinador “convencer” os jogadores que o caminho é o mais correto. É óbvio que não descuramos o especto físico e psicológico na nossa preparação, mas essas premissas vêm sempre a reboque das ideias de jogo. Mesmo algum exercício que seja para trabalhar uma determinada capacidade (tensão, resistência, velocidade), tem sempre por trás uma ideia do nosso jogar.


P: Considera o aspeto físico mais importante que a vertente emocional do jogador?


Considero as duas extremamente importantes e passo a explicar. Óbvio que queremos os nossos jogadores muito motivados e envolvidos no processo de treino e jogo, no entanto se eles do ponto de vista físico não estão preparados, as suas ações do ponto de vista tático e técnico não vão ter a mesma eficácia. Se por outro lado os jogadores estão em plena forma, mas do ponto de vista da motivação estão em sub-rendimento isso vai refletir naquilo que é a qualidade das suas ações em jogo, por isso digo que as duas estão interligadas, assim como todo o processo. Não concebo o jogo de futebol se não for dessa forma. O atleta deve
ser trabalhado como um todo e não apenas algumas partes de si mesmo.

P: Vamos à análise…se tivesse de escolher: análise à própria equipa vs análise ao adversário.


Análise sempre, primeiro, à nossa equipa. Só quando nos conhecermos bem é que podemos melhorar e evoluir. O foco deve ser sempre melhorar os nossos jogadores e o nosso jogar. Não podemos exceder mais tempo do que o necessário para observar o adversário. No entanto julgo que numa equipa multidisciplinar devem existir elementos que apenas devem estar focados em analisar o adversário e em conjunto com o treinador delinear, as melhores estratégias de jogo.


P: Quais as principais qualidades de um analista?


Capacidade de síntese, já que ele tem que ver muitos jogos por semana. Depois essa capacidade de síntese deve estar presente no momento em que ele escolhe o que vai transmitir ao treinador. Capacidade de análise de um jogo de futebol. Deve o analista conhecer muito bem o jogo e conhecer também a própria equipa, para assim fazer a síntese do que é importante passar para o treinador em função também, das qualidades e defeitos na nossa equipa.


P: Físico, tático, emocional ou estratégico? Em quais destas vertentes se deve apoiar a preparação do treino?

Em todas. Como já disse anteriormente o futebolista é trabalhado como um todo e não em partes separadas. Óbvio que existem sessões de treino, como as que se realizam no dia seguinte a um jogo, e no nosso caso no Farense, muitas vezes após longas viagens de autocarro, em que abdicamos muitas vezes do lado tático, técnico e estratégico, apenas com o objetivo de recuperar física e mentalmente do desgaste.

P: Para finalizar, pode dar-nos uma ideia de que como planeia uma semana de treinos?


Uma semana tipo é preparada na semana anterior, já que temos que definir no nosso planeamento, quantas sessões de treino vamos realizar, em que dias, e em que espaços. No caso do Farense, como ainda não dispúnhamos da academia, no ano da Segunda Liga, treinávamos em vários campos, para poupar o São Luís. Depois temos que planear igualmente as capacidades a desenvolver em cada dia da semana, ou seja, se vamos realizar uma sessão de recuperação, ou uma sessão de força,
resistência, etc…

Temos também que nos preocupar com os jogadores que não foram convocados, que foram convocados, mas que não jogaram ou que apenas jogaram uma pequena percentagem do tempo de jogo. Depois a semana também é preparada em função do adversário que vamos enfrentar. Temos que planear os exercícios para continuar a desenvolver aspetos importantes do nosso jogo, mas também temos que planear exercícios
que tenham mais a ver com a estratégia para o próximo jogo. Definimos normalmente uma reunião, no primeiro dia da semana, da parte da tarde para colocar no papel todas estas preocupações. Depois na segunda sessão de treino, também da parte da tarde, observamos atentamente o nosso adversário e definimos a estratégia de jogo, bem como os exercícios a desenvolver.

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