A esfera do Futebol, sobretudo profissional, é estruturalmente bastante mais complexa do que poderemos imaginar à primeira vista. Talento e trabalho são fundamentais, mas existem outros fatores cruciais para o sucesso.

Posto isto, considero fulcral penetrar um pouco mais neste ecossistema que está coberto de várias sub-camadas no que respeita ao percurso do futebolista, desde o princípio da formação até à entrada no Mundo profissional.

Para lapidarmos este tema, ninguém melhor que o ex-futebolista profissional, Miguel Bruno, natural de Ovar, agora com 48 anos. O retirado avançado conta com passagens pelos maiores palcos do futebol em Portugal: FC Porto, AD Ovarense, CD Feirense, FC Paços de Ferreira, SC Beira-Mar, CF Belenenses, A Académica de Coimbra – OAF, entre outros, por tanto, um registo impressionante.

Entrevistador (E): Como começaste a jogar futebol e onde?

Miguel Bruno (MB ): Comecei a jogar futebol no Arada Atlético Clube, da minha terra natal. Tinha 13 anos, nos iniciados, foi a primeira vez que joguei futebol federado.

E: Como foi o teu processo de formação no futebol?

MB: Começou, como referi anteriormente, com 13 anos, era o meu segundo ano de iniciado, na época seguinte joguei nos Juvenis do Arada Atlético Clube.

De seguida, no meu segundo ano de Juvenil, fui convidado para o Clube Desportivo Feirense tinha eu 15 anos. Esse ano foi muito bom, a equipa estava a disputar o Campeonato Nacional do escalão e surpreendentemente fui o melhor marcador da minha equipa, impondo-me com relativa facilidade.

Na época seguinte, subi de escalão para os Juniores do Feirense tinha eu 16 anos, iríamos tentar subir ao Campeonato Nacional de Juniores…. começo a treinar regularmente com a equipe sénior, isto em setembro dessa mesma época, estreando-me a jogar oficialmente pelos seniores com essa idade, num jogo da Taça de Portugal, isto em finais de outubro. Foi tudo muito rápido, afinal tinha começado a jogar há tão pouco tempo… treinei toda a época com os seniores, mas joguei sempre pelos juniores. Infelizmente, por um ponto, não conseguimos a desejada subida.

“Entretanto nesta época sou chamado a representar a seleção nacional de sub-17 onde obtive a minha primeira internacionalização num desafio contra a Albânia, no Estádio Nacional. “FPFImageHandler

Entretanto nesta época sou chamado a representar a seleção nacional de sub-17 onde obtive a minha primeira internacionalização num desafio contra a Albânia, no Estádio Nacional. Comecei a integrar com assiduidade as seleções jovens de Portugal e apareceram os convites do FC Porto e o SL Benfica…

Tinha três possibilidades a considerar que eram:

  • A primeira, ficar no Feirense que subiu à Primeira liga nessa época, poderia treinar com os seniores, mas como jogar seria difícil e não queria jogar no regional de Juniores decidi sair;
  • A segunda, a ida para o FC Porto, o que acabou por ser a minha escolha, assinando um contrato de 3 anos, fui bem acolhido e fui campeão nacional do escalão;
  • A terceira era o SL Benfica, mas acabámos por não chegar a um acordo.

E: Sempre tiveste apetência para jogar a PL ou foste adquirindo as capacidades essenciais para jogar nessa posição ao longo do tempo?

MB: Desde que me lembro de jogar à bola que gostava de jogar na frente, gostava de marcar golos, de atacar.  Por isso, a escolha recaiu muito naturalmente sobre essa posição.  Claro que com os muitos treinos, jogos, treinadores e a experiência da idade vieram oferecer-me uma evolução natural para desempenhar melhor essa função.

E: Em comparação aos dias de hoje, como consideras o nível de formação no teu tempo?

MB: Existem enormes diferenças da formação dos dias de hoje em relação ao meu tempo.

No meu tempo, era tudo muito mais rudimentar, mais prático, mais a olho, digamos assim, do que propriamente académico. Julgo que, apesar destas carências ao nível do treino, do conhecimento mais profundo do jogo, nós tínhamos naturalmente mais destreza, mais coordenação motora, mais dinâmica, mais raça, força… tudo isto adquirido naturalmente pela nossa infância, pela nossa forma de vida, muito mais ativa.

Hoje em dia, há muito mais aplicação académica, o conhecimento é maior, o cuidado com os exercícios /treino tendo em conta a idade, as condições (infraestruturas, material etc.) são outras, para melhor, mas em contrapartida retirar a criatividade muito prematuramente ao atleta, limitando-o ao que pretendem para o imediato, não o deixando evoluir de uma forma natural, não é muito positivo.

Existe ainda outro fator determinante, a componente psicológica do atleta/ser- humano, que sofre uma pressão desde que dá o primeiro pontapé na bola. Isto por parte dos treinadores, pelos próprios pais, dirigentes, empresários etc. O que vai fazer com que cresçam prematuramente e, neste contexto, poucos resistem.

É a minha opinião, mas este assunto é muito pertinente e muito mais haveria para falar…

E: Neste processo de formação, como lidaste com a pressão que vem de fora? Havia já muitos interesses? Ou sentes que era mais natural a evolução do atleta que hoje em dia?

MB: No meu tempo, a evolução do atleta era mais natural, sem a mínima dúvida. Embora as pressões a as influências já existissem, mas de uma forma muito menos intensa do que nos dias de hoje.

Atualmente, é brutal a pressão que um miúdo sofre desde tenra idade… ter de obter resultados desde cedo, a comparação aberrante entre os melhores e os piores, os que jogam mais e os que jogam menos, as equipas A e equipas B, os pais que querem a toda a força que os seus filhos sejam jogadores profissionais, os treinadores que só pensam nos resultados, os dirigentes, e por aí fora…

Este contexto é um absurdo prematuro que pode deixar marcas profundas para o ser-humano em fase de desenvolvimento.

Reforço, no meu tempo, apesar de existir competitividade, era muito mais saudável e mais natural sem a pressão de ter que ser jogador de futebol a todo o custo.

E: Qual foi o ano que mais te marcou na formação? Como foi a tua transição para sénior? Foi fácil integrar um balneário com a dimensão do FC Porto?

MB: O ano que mais me marcou na formação foi o segundo ano de Juvenil quando transitei para o CD Feirense vindo do Arada AC. Isto porque percebi que tinha qualidade comparativamente aos meus novos colegas, tendo jogado o Nacional de Juvenis com muito êxito.

Outro ano marcante foi sem dúvida a ida para os Juniores do FC Porto, aprendi muito, uma escola fantástica tanto a nível desportivo como a nível pessoal, pena o facto de não ter tido mais anos de formação neste clube.

A integração no balneário não foi difícil até porque já conhecia alguns dos meus novos colegas através da Seleção Nacional, fui muito bem recebido!

A transição para sénior não foi assim tão complicada, sentia-me preparado, não para jogar nos seniores do FC Porto, mas para entrar numa Segunda liga ou Segunda divisão B, e foi o que aconteceu, na AD Ovarense.

Ano maravilhoso, grande grupo, grandes jogadores, quase todos vieram a jogar ou já haviam jogado na Primeira Liga, grandes homens. Foi uma experiência marcante, que permanece até aos dias de hoje, mesmo tendo jogado em 12 clubes diferentes.

Aprendi imenso com dois senhores que jogavam na minha posição, quase com idade para serem meus pais: Daniel e Rubens Feijão (o melhor com quem joguei). Foi de facto um ano incrível, tanto a nível pessoal como profissional. Obviamente, subimos à Segunda Liga.

Mas, a meu ver, esta transição para grande parte dos atletas é muito difícil e quase 80% deles perdem-se nesta fase. As equipas B e de sub-23 vierem ajudar neste aspeto. Ainda assim, muitos acabam por não conseguir singrar.

E: Que importância tem a dimensão psicológica do atleta no seu percurso profissional?

MB: Esta pergunta é de facto muito interessante, à qual respondo desta forma: na minha maneira de ver equivale a 80% do caminho para o sucesso.

Dantes não tínhamos ninguém para trabalhar connosco nessa área, apenas se valorizava o físico, o técnico e o tático. A vertente psicológica era quase ignorada, infelizmente, por mim falo.

Ainda bem que hoje em dia já existem muitos clubes com pessoas especializadas a trabalhar na parte mental, na forma como lidamos com as alegrias e frustrações. É fundamental para a nossa evolução em todos os aspetos.

E: De entre todos os intervenientes, colegas de equipa, treinadores, diretores, presidentes, empresários, etc., qual(is) o(s) mais importante(s) para uma maior estabilidade do jogador?

MB: Uma pergunta difícil… todos são importantes, cada um na sua área, mas por experiência própria o treinador tem um papel fulcral nesta vertente, deve ser um líder natural com apetência para ocupar este dificílimo cargo e consequentemente gerir um grupo de 23 homens, motivando-os, fazendo-os  sentir importantes independente do tempo que jogam…..isto é na minha opinião o mais difícil.

Depois, obviamente, vem o treino, a tática, a estratégia, a estrutura…. mas como disse anteriormente, se o treinador tem toda a gente a remar para o mesmo lado 70% do sucesso está garantido.

 “Ajudaram-me muito como desportista e como homem.  A alegria, o companheirismo, a empatia eram enormes entre todos e isso refletia-se dentro de campo.”

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E: Olhando para o teu trajeto, qual foi o balneário que te marcou mais? E porquê?

MB: Como já referi, passei por muitos balneários, conheci pessoas de todo lado, mas o que mais me marcou foi o da AD Ovarense, isto no meu primeiro ano de sénior.

Ajudaram-me muito como desportista e como homem.  A alegria, o companheirismo, a empatia eram enormes entre todos e isso refletia-se dentro de campo. Passaram 30 anos, ainda hoje nos falamos ou encontramos pontualmente e existe aquele sentimento que não se explica… marcou-nos a todos essa época!

E: Houve alguma pessoa que considerasses o teu mentor no futebol?

MB: Tive bons treinadores, bons colegas, bons dirigentes… mas não tive ninguém em especial.  Gostava de ter tido, sentia muitas vezes essa necessidade, mas não tive… amava jogar, mas não foi fácil gerir tudo sozinho.

E: Que palavras tens para os mais jovens que estão a iniciar o seu caminho no futebol, em relação ao binómio futebol/educação?

MB: Que percorram o seu sonho de um dia virem a ser profissionais de futebol, tentem tudo, esforcem-se cada dia para melhorar, treinem sempre muito…. mas não descuidem a escola /estudos pois mais cedo ou mais tarde vão ser muito importantes na vossa vida!

A carreira de desportista profissional é curta e em 90% dos casos temos que trabalhar após o seu término. Se tivermos estudos será mais fácil a integração numa nova realidade.

Existe uma vida como profissional de futebol e outra completamente distinta fora desse mundo, preparem-se o melhor possível!

E: Comenta a tua transição de futebolista profissional para profissional de Fisioterapia, área na qual abriste uma clínica, a Fisiomais!

MB: Após ter terminado a minha carreira prematuramente com 29 anos, ainda estive ligado ao futebol cerca de 7 anos como treinador de formação, adjunto da AD Ovarense seniores, secretário técnico no SC Espinho, mas tudo terminou, os clubes faliram e veio novamente o desemprego.

Tinha só o 12ª ano e estava com 36 anos.  Como tinha tirado curso de massagem geral e desportiva com 30 anos, pensei em seguir a área de fisioterapia, a área de saúde e desporto combinam… decidi tirar mais formações, como técnico auxiliar de fisioterapia e várias outras com o intuito de abrir o meu espaço.

Foi uma boa aposta visto que a FISIOMAISaté hoje funciona bem e consegui reorganizar a minha vida com a clínica.

Se foi fácil? Não, não foi nada fácil! Estava habituado a trabalhar ao ar livre, com horários menos rigorosos, um ambiente mais descontraído… e começo a ter que estar fechado 10 horas por dia e a lidar com pessoas com os seus problemas físicos, o que normalmente acarreta problemas emocionais também… gosto muito do que faço porque ajudo as pessoas a ter melhor qualidade de vida, mas se pudesse ser futebolista toda a vida, seria.

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917 491 255 – Miguel Bruno

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Uma resposta para “As vicissitudes do futebol profissional – com Miguel Bruno”.

  1. […] O vareiro Miguel Bruno, ex-futebolista profissional, Internacional, agora com 48 anos, faz uma retrospectiva da sua carreira em entrevista ao blogue “À bola com o Joca“. […]

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